Saiba quem foi Othelino Nova Alves, um jornalista destemido que marcou e inspirou gerações…

POR OSWALDO VIVIANI, DO JORNAL PEQUENO

Busto foi recolocado na rua em que Othelino foi, brutalmente, assassinado em 1967 e se tornou o Espaço da Liberdade de Expressão

Ser jornalista no Brasil em 1967 não era nada fácil. O regime militar instalado no país em 1964 já dava sinais de que tinha vindo para ficar por um bom tempo, e aos poucos todos os veículos de expressão democrática da sociedade – principalmente os jornais – iam sendo tolhidos em sua liberdade.

Naqueles tempos, às vésperas do Ato Institucional Número 5, que em dezembro de 1968 mergulharia o Brasil nas trevas da ditadura total, todos os setores da sociedade nacional estavam sob a vigilância dos militares.

Esse controle se notava sobretudo na área política, na qual eram bem raros os casos de governos, estaduais ou municipais, que não estivessem afinados com os militares.

No Maranhão, o cenário não era diferente. Em 1967, a oligarquia engatinhava, com José Sarney ocupando o Palácio dos Leões. Um dos líderes civis do golpe de 1964, Sarney foi eleito em 1965 ainda pela UDN (União Democrática Nacional). Em 1966, passaria à Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido criado naquele ano para dar sustentação ao regime militar.

Numa atmosfera assim, sombria e “militarizada”, quem se colocasse ao lado dos humilhados, dos oprimidos, certamente teria problemas com os poderosos de plantão, leia-se polícia e Exército.

Nesse “grupo de risco” estavam sobretudo os profissionais de imprensa que trabalhavam em jornais que se propunham a ser tribunas dos anseios populares, como o Jornal Pequeno.

Entre esses jornalistas combativos – que, vale dizer, nunca faltaram nas fileiras do JP –, um em especial se destacou: Othelino Nova Alves.

Surrado e seviciado – Mesmo antes de fazer parte da equipe do JP, Othelino já era dono de uma vasto histórico de episódios em que demonstrou destemor no exercício de seu ofício.

No Amazonas, por exemplo, quando por lá passou, chegou a ser surrado por capangas do então cacique político local, Gilberto Mestrinho, irritado com reportagens políticas que o envolviam, escritas por Othelino.

Também sentindo-se ofendido com os escritos de Othelino, um oficial do Exército, major José Pereira dos Santos, com a ajuda de capangas, o seqüestrou perto do aeroporto, quando o jornalista retornava de uma viagem, em meados dos anos 60. Levado para um lugar ermo perto do Cemitério Jardim da Paz (Maiobão), Othelino foi torturado e seviciado durante horas pelos militares.

Othelino nunca se intimidou com essas violências. Cuidava dos ferimentos e prosseguia com suas reportagens/denúncias. Paralelamente, atuava no Sindicato dos Jornalistas, entidade que passou a presidir em 1967.

No JP, escrevia uma coluna diária intitulada “Na Liça” (na luta, no combate). Não demorou muito para que os leitores percebessem que a coluna era uma resistente trincheira contra os poderosos e prepotentes. Assim, uma enxurrada de denúncias chegava às mãos de Othelino todos os dias. Jornalista experiente, ele checava todo material “quente” que chegava às suas mãos, antes de publicar.

Caso do uísque – Assim o jornalista procedeu quando, em abril de 1967, soube de uma apreensão irregular de uísque, que teria sido feita pela polícia numa quitanda da rua da Pedreira, no Tirirical, pertencente ao casal Cesino e Maria Ribamar Conceição.

Depois de ouvir a polícia, que a tudo desmentiu, Othelino se dirigiu até o Tirirical. Lá, conversou com Maria Conceição, que confirmou a ida de policiais da Divisão de Polícia Especializada ao seu comércio e a apreensão de 112 garrafas de uísque.

Como o casal não tinha a nota de compra da bebida – que havia sido deixada para vender por um conhecido deles –, Cesino Conceição foi preso. Para sair da cadeia, o comerciante teve de pagar propina aos policiais da Especializada. O uísque, levado pelos policiais sem que fosse feito ao menos um termo de apreensão, “evaporou”.

Checada e confirmada, a informação foi parar nas páginas do JP. A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, chefiada então por um militar – como era praxe na ditadura –, o coronel José Rodrigues de Paiva, abriu inquérito e apurou que a denúncia era verdadeira.

Foram afastados de seus cargos vários policiais corruptos. O então diretor da Divisão de Polícia Especializada, o advogado José Maria Tupinambá Moscoso, que além do caso do uísque também estava envolvido num esquema de extorsão nos cabarés da zona do meretrício de São Luís, teve de pedir sua exoneração, escapando, assim, de ser demitido “a bem do serviço público”.

Decadência e rancor – Afastado do cargo e das benesses que o serviço público lhe proporcionava, Tupinambá Moscoso passou a nutrir um rancor profundo por Othelino Nova Alves, que, na visão distorcida de Moscoso, era o único responsável por sua ruína social e moral.

Moscoso não disfarçava seu ódio. Passou a beber em prostíbulos – onde agora já não podia obter os dividendos da extorsão de donos de bordéis e banqueiros do jogo do bicho. Sempre que se embriagava, dizia, alto e bom som, que se vingaria, matando Othelino. Um de seus “companheiros de copo” habituais era o comissário de polícia José Tanús.

Quando Moscoso não estava se embriagando na zona do meretrício, estava no “Bar do Mundiquinho”, no João Paulo. Foi desse bar que Moscoso saiu, na tarde do dia 30 de setembro de 1967, um sábado, com o firme propósito de assassinar Othelino Nova Alves.

Seis balas – No dia do crime, o motorista de praça (como eram chamados na época os taxistas) Raimundo Nonato Silva foi chamado por um empregado do “Bar do Mundiquinho” para levar dois passageiros para a praça João Lisboa. Eram Moscoso e Tanús.

Ao chegar à praça, na esquina com o rua do Egito, no local onde hoje é a agência da Caixa Econômica Federal, que estava em construção, Moscoso mandou o motorista parar. Conversou baixinho com Tanús, e em seguida atravessou a rua do Egito calmamente, em direção à rua de Nazaré. Tanús foi atrás.

Othelino estava recostado na parede do Edifício São Luís, perto do Café Serra, que era então um conhecido ponto de encontro de jornalistas, intelectuais, políticos ou gente simples do povo, que se reuniam no interior do café ou nos arredores para comentar os últimos assuntos da cidade.

Como de hábito, naquela tarde de sábado Othelino conversava com amigos – os comerciantes José Ribamar Carvalho e Luís Madeira de Matos, o fiscal do Estado José Nascimento Moraes e o verdureiro Moisés Lobato, conhecido como “Ceará”.

Distraído com a conversa, Othelino nem percebeu quando Tupinambá Moscoso surgiu por trás dele, bateu em seu ombro e falou, com voz branda: “Vais morrer, Othelino”.

Os amigos pensaram que era uma brincadeira. O mesmo deve ter avaliado, em princípio, o próprio Othelino, que se virou e disse: “Que é isso, rapaz?”. Foi quando Moscoso recuou um pouco e efetuou o primeiro disparo.

Ferido, Othelino ainda caminhou alguns passos, tentando escapar do assassino, que o perseguiu implacavelmente. Vulnerável e desarmado – ele jamais andou armado, dizia que sua arma era sua caneta -, Othelino tentou, num gesto desesperado, se proteger com o que tinha em mãos: uma inofensiva pasta de couro, que levava para todo lugar que ia.

O objeto não conseguiu salvá-lo da selvageria de Tupinambá Moscoso, que descarregou as cinco balas restantes de seu revólver contra o corpo do jornalista indefeso. Othelino Nova Alves morreu agarrado ao portal da livraria Moderna, a alguns passos do local em que levou o primeiro tiro.

Protegido pelo coronel – O comissário José Tanús não disparou nenhum tiro contra Othelino. Mas foi como se o tivesse feito. Certamente sabia que Moscoso tinha a intenção de se vingar de Othelino quando o acompanhou à praça João Lisboa. Porém, além de não ter feito nada para dissuadir o criminoso de sua idéia, ainda lhe deu cobertura.

Enquanto alguns populares correram para acudir a vítima, o assassino atravessou calmamente a rua, em direção à praça João Lisboa, e lá, sempre acompanhado por Tanús, entrou num carro de praça de marca DKW. Moscoso disse ao motorista Eduardo Calixto dos Santos para rumar para a rua do Norte, onde morava seu cunhado, o coronel da Polícia Militar Abílio da Silva Costa.

Othelino foi levado ferido para o Hospital Pronto Socorro, na rua do Passeio. Chegou lá morto.

Policiais da Inspetoria de Trânsito conseguiram prender, poucas horas depois do crime, o motorista Eduardo Calixto. Ele foi removido para a Central de Polícia, onde informou o local em que deixara Moscoso e Tanús.

O delegado Rosa Neto, que assumiu as investigações do caso, reuniu alguns soldados e foi até a casa do coronel Abílio, na rua do Norte. Ao chegar, organizou o cerco da casa mas, estranhamente, depois de conversar com o coronel e com o próprio assassino, não efetuou sua prisão. Pelo contrário, acatando um pedido do coronel Abílio, ainda retirou os soldados que cercavam a casa. Argumentou mais tarde que confiara na palavra do coronel de que Moscoso iria se entregar.

Rosa Neto só voltou à rua do Norte à noite, depois da ordem expressa do próprio secretário de Segurança da época, coronel José Paiva. Moscoso já se preparava para fugir. José Tanús chegou ao local no momento em que o delegado se preparava para levar Moscoso preso. Também recebeu voz de prisão.

À beira do túmulo – O cadáver de Othelino Nova Alves, depois de autopsiado, foi removido para a residência de seu irmão, Almir, na rua de Nazaré, 96, de onde saiu, na tarde do dia 1o de outubro de 1967, para a Catedral Metropolitana, onde teve lugar a missa de corpo presente antes do enterro.

Uma multidão de fiéis lotou a catedral para assistir à missa, celebrada por dom Edmilson Cruz, que também acompanhou o enterro até o cemitério do Gavião e benzeu o corpo.

Em meio à multidão consternada, destacaram-se os discursos, à beira do túmulo, dos companheiros de redação de Othelino no Jornal Pequeno – entre eles, Milson Coutinho (atual presidente do Tribunal de Justiça do Estado) e Jamenes Calado (hoje advogado de prestígio).

Milson Coutinho lamentou que o assassinato tivesse sido cometido “por um homem que traz no dedo o anel de representante da Justiça contra outro que só falava no poder da Justiça e confiava plenamente no Judiciário”.

O garçom Misael, um dos muitos amigos que Othelino cultivara entre a gente comum do povo, também falou, e a simplicidade de suas palavras foi profética quanto ao desenlace do caso: “Pode falhar a Justiça dos homens, mas a de Deus nunca falhará”.

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8 thoughts on “Saiba quem foi Othelino Nova Alves, um jornalista destemido que marcou e inspirou gerações…

  1. Parabéns pela volta do busto do excelente jornalista Othelino à rua de Nazaré . Aproveitando o momento , o nosso prefeito deveria anunciar a recuperação das vias de acesso e uma boa iluminação de LED para o local.

  2. Othelino andou fazendo das suas. Escreveu que a mulher de um major era como máquina Vigorelli: costurava pra frente é pra trás. Era um sujeito que confundia jornalismo com vendetta. Usava a imprensa para questões pessoais. O resto é lenda urbana. Outra: o assassino não foi protegido por “poderosos”. Foi a julgamento popular (Tribunal do Juri) e foi absolvido.

  3. Não estou aqui pra defender “A ou B”…A única verdade é que,quem sofreu e sofre a até hoje,são o familiares….Com a perda de um ente querido,pai de família…Que foi covardemente assassinado em praça pública!

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