No dia 17 de agosto, o hacker Walter Delgatti Netto compareceu à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) destinada a investigar os atos golpistas do 8 de janeiro. Ganhando notoriedade após seu envolvimento no caso conhecido como Vaza Jato, a convocação de Delgatti Neto ocorreu em função de requerimento apresentado pelo deputado Rogério Correia (PT-MG), após declarações do hacker à Polícia Federal (PF) sobre seus contatos com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e com o ex-presidente Jair Bolsonaro, no contexto das investigações sobre tentativas de fraude das eleições.

Em seu depoimento, Delgatti afirmou ter recebido oferta de indulto presidencial em troca de invasão das urnas eletrônicas, bem como reforçou que a deputada Zambelli solicitou que ele invadisse sistemas do Judiciário. O hacker declarou ainda que foi o próprio Bolsonaro que o encaminhou ao Ministério da Defesa, onde teria estado por 5 vezes e mantido agenda com o então ministro, general Paulo Sérgio Nogueira.

Destaca ainda que atuou na elaboração do relatório das forças armadas sobre as urnas, entregue no dia 9 de novembro de 2022. Sobre este ponto em específico, é relevante lembrar que o atual titular da Defesa, José Múcio Monteiro, confirmou a presença de Delgatti no Ministério durante o governo Bolsonaro.

As declarações de Delgatti Netto à CPMI levaram a Polícia Federal a requisitar um novo depoimento do hacker, sob alegação de haver contradições entre trechos do que foi apresentado ao colegiado e à investigação da PF, bem como de que há necessidade de esclarecimentos adicionais. Por certo, suas manifestações devem ser submetidas ao escrutínio detido das investigações da PF para que se ateste sua veracidade. Todavia, é importante destacar que seu depoimento se insere numa série de acontecimentos explicitados nos últimos meses, inclusive pela própria CPMI, que apontam para o envolvimento direto de membros da alta cúpula das forças nas intentonas golpistas de dezembro de 2022 e janeiro de 2023.

O depoimento de Delgatti Netto, a troca de mensagens de teor golpista encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, bem como o envolvimento, por leniência, omissão ou ação, de militares nas intentonas são exemplos de acontecimentos recentes que nos obrigam a rever a dinâmica de concessões sucessivas e unilaterais que tem caracterizado a relação do governo Lula com os militares.

Ao menos desde 2016, com a interinidade de Michel Temer, assistimos a uma marcha dos militares na política institucional. Inicialmente a partir da ocupação de cargos no Executivo federal, a exemplo dos generais Santos Cruz e Silva e Luna, o movimento se intensificou nos 4 anos de governo Bolsonaro, com a ocupação escancarada da administração pública somada a um movimento de ocupação também do Legislativo, através de candidaturas para as diversas esferas, e de espaços de influência no Poder Judiciário.

Esse movimento explicitou um problema profundo da história política brasileira. Vivemos sob a égide de um militarismo que nos impede de concretizar a democracia no país, mesmo em sua perspectiva burguesa. Assim, se os últimos 6 anos representaram o escalonamento e o ápice de um problema estrutural, os últimos meses se apresentam como os sinais de que estamos longe da superação da questão.

O autoritarismo com o qual convivemos de forma latente desde 2018 e o golpismo expresso nos atentados ocorridos entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 carregam consigo um fio condutor direto com o militarismo – elemento estrutural de violência no Brasil, caracterizado pela pré-disposição de resolução de problemas políticos através de meios militares. De fato, no governo Bolsonaro, tanto o militarismo, quanto a militarização – entendida como a ampliação e espraiamento de capacidades e meios militares, dentro ou fora da caserna – viveram um crescimento considerável.

A marcha dos militares sobre a política, manifestos e declarações antidemocráticas assinadas pelos comandantes das forças singulares, a atuação direta nos atos golpistas do 8 de janeiro e em diálogos pouco inocentes em grupos de WhatsApp onde se discutia a possibilidade de ruptura institucional são indícios contundentes de uma cultura antidemocrática e autoritária que grassa nos corpos militares no Brasil. O problema está colocado. Precisamos agora construir a resposta.

O governo federal computa alguns acertos. A recusa em declarar GLO em resposta aos ataques do 8 de janeiro certamente foi uma reação positiva.  Lula foi feliz ao decretar intervenção na segurança pública do Distrito Federal, e subordiná-la a um interventor civil. Ademais, a demissão do então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, no marco de sua insubordinação à ordem do presidente da República é também positivo e certamente foi um sinal forte às forças armadas e ao sistema político como um todo.

Nesse sentido, a construção do futuro passa por uma conjunção complexa de fatores, da iniciativa política institucional à existência de um amplo debate sobre as consequências da militarização para a sociedade e para o país. Elencamos aqui, como exercício político, algumas alternativas para construção dessa agenda propositiva que caminha de um plano de emergência para a salvação nacional até um debate programático e estrutural.

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